"...estenderei a minha mão contra os habitantes desta terra, diz o SENHOR. Porque desde o menor deles até ao maior, cada um se dá à avareza; e desde o profeta até ao sacerdote, cada um usa de falsidade e curam superficialmente a ferida da filha do meu povo, dizendo: Paz, paz; quando não há paz. Porventura envergonham-se de cometer abominação? Pelo contrário, de maneira nenhuma se envergonham, nem tampouco sabem que coisa é envergonhar-se..." (Jeremias 6.12 a 15)

quarta-feira, 21 de março de 2012

Um Reino a Beira da Fogueira!


Vaieshev - bvyw
Gênesis 37:1 - 40:23

Neste comentário, curvamo-nos com respeito perante dois personagens do trecho em questão, ao observarmos seu comportamento com admiração. Todo ano, ao lermos este episódio, espantamo-nos com a coragem de espírito e a nobreza de comportamento de tais personagens. Estes são os traços de caráter demonstrados por eles durante uma crise pessoal que quase os destruiu. Uma crise na qual se envolveram de modo aparentemente casual, a partir de um encontro que, à primeira vista, causou grandes complicações, mas que acabou por gerar um reino.
Estamos falando de Judá e Tamar. Judá, filho de Jacó, e sua nora Tamar, esposa de seus dois filhos.
Em linhas gerais, a história é conhecida. Ela ocorreu após a primeira parte do drama que se desenvolveu entre José e seus irmãos. José fora vendido aos ismaelitas que vinham de Guilead (capítulo 37), os quais venderam-no como escravo a Potifar, oficial da corte do Faraó do Egito.
Então, como conseqüência deste ato, uma nova cisão surgiu na casa de Jacó:
"E foi naquele tempo e desceu Judá de junto de seus irmãos e associou-se a um homem adulamita, cujo nome era Hirá" (Gênesis 38:1)

O Midrash atenta à palavra "desceu" e nos ensina:
"Para nos ensinar que foi tirado de sua posição elevada por seus irmãos. Quando estes viram a aflição de seu pai, disseram: Tu disseste que o vendêssemos. Se nos tivesse dito para devolvê-lo, teríamos obedecido."
Rashi

E lá, convivendo com Hirá, o adulamita, Judá casou-se com uma mulher que lhe deu três filhos: Er, Onan e Shelá (Gênesis 38:3-5). Na seqüência ficamos sabendo que "tomou Judá mulher para Er, seu primogênito, e seu nome era Tamar" (Gênesis 38:6). Er não teve muitos dias ao lado
de sua esposa. Ele era mau aos olhos de Deus e faleceu jovem sem deixar filhos (Gênesis 38:7). De acordo com os costumes de casamento e Levirato, o segundo dos irmãos, Onan, tomou-a como esposa. Mas seu destino foi igual ao de seu irmão e Tamar tomou-se viúva de dois irmãos.
Novamente, de acordo com os costumes, o terceiro irmão, Shelá, deveria tomá-la como esposa. Judá, temendo que algo de ruim pudesse acontecer a seu terceiro filho, expulsou Tamar de sua casa com o seguinte pretexto:
"Fica viúva i ih casa de teu pai, até que cresça Shelá, meu filho; porque disse consigo: Quiçá morra ele também como seus irmãos."
Gênesis 38:11
Este é o pano de fundo de nossa história. Judá condenou Tamar a um período de espera para pô-la à prova. Durante este período, ele pôde analisar de forma objetiva a situação em que se encontrava. Na seqüência vemos que ela queria se ligar à casa de Judá qualquer que fosse o preço a pagar. Aparentemente, ela reconheceu as qualidades de Judá, filho de Jacó, neto de Isaac e Abraão, pois ansiava que seus descendentes fossem também descendentes dele.
Com a morte da esposa de Judá, chegou o momento apropriado para que Tamar realizasse seu intento. Ao ficar sabendo que Judá se dirigia a Timná para tosquiar seu rebanho, Tamar agiu ousadamente:
"E tirou os vestidos de sua viuvez de si e cobriu-se com véu, e envolveu-se, e sentou-se na encruzilhada que está sobre o caminho... E viu-a Judá, e pensou que fosse rameira... E se dirigiu a ela no caminho, e disse: Venha, rogo, estarei contigo, porque não sabia que era sua nora; e disse: Mandarei um cabrito do rebanho. E ela disse: se me deres um penhor até o mandar. E disse: Qual o penhor que te darei? E disse: Teu anel-selo e teu manto, e a tua vara que tens na mão. E deu-lhe, e veio a ela, e concebeu-lhe.” (Gênesis 38:14-18)
O comportamento excepcional de Judá e de Tamar, na encruzilhada dos caminhos, mereceria atenção especial. No entanto, menciona-remos apenas que, de acordo com as leis de casamento do Levirato, válidas naquela época, a obrigação de desposá-la valia não apenas aos irmãos do falecido, mas estendia-se também ao pai deste. Conseqüentemente, Tamar era permitida a seu sogro Judá.
Chegamos agora ao ponto central deste episódio:
"E foi ao cabo de uns três meses e foi anunciado a Judá, dizendo: Adulterou Tamar, tua nora, e também esta grávida por adultério. E disse Judá: Tirai-a e que seja queimada." (Gênesis 38:24)
Para entendermos esta decisão severa de Judá, devemos atentar às leis do Levirato. De acordo com esta lei, enquanto a viúva estiver ligada à casa de seu falecido marido, não lhe era permitido entregar-se a outro homem. Judá reagiu, então, corretamente ao mandar queimá-la. O que ele não sabia no momento em que pronunciou a sentença era que ele era o pai da criança que Tamar carregava em seu ventre.
Este foi um momento difícil para Tamar:
"Esta mulher está sendo levada à fogueira e seu destino, na realidade, encontra-se em suas mãos. Com poucas palavras poderia salvar sua vida e sua honra. E assim mesmo, Tamar optou por ser queimada viva a desonrar aquele que a condenou. Outras pessoas, com certeza se comprazeriam em desmascarar este juiz, sentindo a satisfação da vingança... mas não são estes os valores daquela que viria a ser a mãe de um reinado."
Nachalat Iossef

De fato, quão fácil seria para Tamar provar sua inocência diante de todos os que vieram assistir a execução da mulher pecadora. O que seria mais fácil que brandir o anel, o manto e a vara e bradar: Judá, eis o penhor que me deste na encruzilhada dos caminhos. És tu, Judá, o homem.
Mas Tamar não o fez. A caminho da fogueira onde seria queimada, consciente de que seus sonhos seriam consumidos nas chamas e que o filho que esperava de Judá morreria junto, Tamar demonstrou uma grandeza de espírito incomparável, ensinando-nos em um capítulo à parte como honrar um ser humano:
"Ela, ao ser tirada, mandou dizer ao seu sogro: Do homem a quem pertence isto, eu concebi.
E disse: Conhece, rogo, de quem é este anel-selo, este manto e esta vara?" (Gênesis 38:25)

Ou seja, ela não se referiu a Judá diretamente, mas de um modo que lhe permitiria esquivar-se, caso assim desejasse. No momento mais crítico de sua vida, depositou seu destino nas mãos da boa vontade de Judá. Se ele quisesse ignorar suas palavras, ninguém ficaria sabendo que ele a engravidara.
Por que Tamar teria agido deste modo?
"Não quis envergonhá-lo. E pensou: Se quiser reconhecer por sua iniciativa que o faça. Senão, que me queime viva, mas não o envergonharei. Daqui vem o dito: É melhor ao homem que o joguem na fogueira, mas não envergonhe seu companheiro em público."
Rashi, de acordo com o Midrash

Vemos neste momento um ato emocionante como poucos. É fácil fazer a apologia do valor do respeito ao próximo. Qual de nós não fez uso de várias palavras para louvar este valor! Mas Tamar é a única entre os seres humanos que teve o valor deste conceito submetido à prova, caminhando conscientemente até as últimas conseqüências. Esta capacidade de Tamar nos mostra sua grandeza de espírito e perfeição.
E Judá escuta suas palavras calmas e nobres. Será ele aprovado em sua prova? Pois se confessar e mandá-la tirar da pira, sujeitar-se-á, deste dia em diante, a zombaria de seus vizinhos: Ele, o homem honrado e respeitado, procurando uma prostituta na estrada! Seria ele capaz de suportar a vergonha que o acompanharia deste dia em diante?
"E reconheceu Judá e disse: Mais justa é ela do que eu!" (Gênesis 38:26)
Esta é a história que nos conta a Bíblia. Seu objetivo é fazer com que entendamos como Judá e Tamar fizeram por merecer que a dinastia do Rei Davi descendesse deles. Porque, na essência, eles eram reis que governavam o território mais selvagem e difícil de se governar: a si mesmos.
Extraído do livro: Reflexões sobre a Torá; 2ª edição; Moshe Grylak; Editora Sefer.

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